domingo, 27 de setembro de 2009

Olha só!

Quem foi que disse que Bukowski não prestava? Talvez ele só fosse um pouco incompreendido. Esperando pela edição dos auto-biográficos. Pode ser um sacrilégio particular, mas eu acho que tudo fica mais bonito em português. Enquanto isso, um gole:



Confession

waiting for death
like a cat
that will jump on the
bed

I am so very sorry for
my wife

she will see this
stiff
white
body

shake it once, then
maybe
again:

“Hank!”

Hank won’t
answer.

it’s not my death that
worries me, it’s my wife
left with this
pile of
nothing.

I want to
let her know
though
that all the nights
sleeping
beside her

even the useless
arguments
were things
ever splendid

and the hard
words
I ever feared to
say
can now be
said:

I love
you.



Charles Bukowski

domingo, 20 de setembro de 2009

Foi assim:

As palavras saíram, puf. Eu não pensei, premeditei ou impedi: elas saíram sem qualquer tipo de filtro de razão, ou de qualquer outra coisa. Não sei se foi o "The Wall", se foi a noite que tava bonita, se foi você que estava bonito, se foi por causa disso tudo. Mas eu tava feliz, feliz como há muito tempo eu não ficava. De uma felicidade fininha, leve, contínua. E eu achei que você devia saber disso.

Foi rápido, indolor, impulsivo, incontrolável. Acho que talvez eu devesse ser mais assim: dizer só por dizer; fazer mais minhas vontades sem pensar muito no depois. Saiu leve, assim, num segundo: puf. Até me assustei, mas deixei. Deixei, mas não porque talvez devesse, ou porque seria melhor assim; deixei porque quis. Tem horas que as coisas devem ser ditas, não por obrigação, mas porque vem de dentro. E acho que aquela era uma dessas horas.

E por um estranho motivo, dessa vez eu não me arrependi. Não mesmo.
O medo de me machucar nem passou pela minha cabeça ali. Passou em várias outras oportunidades, isso eu não nego. Mas ali, naquela hora, era só uma sombra que tinha ficado pra trás. Talvez eu devesse impedir ou parar isso. Sim, talvez devesse. Mas não o fiz. Não o fiz, e duvido muito que consiga ou possa fazer agora.

Medo, medo, eu ainda tenho sabe? Mas não sei muito bem, foi me dando uma coragem, uma coragem imensa, do tamanho do mundo. Uma coragem capaz de arriscar se machucar - quantas vezes fosse preciso. Aí o medo ficou escondido, em algum canto aqui de mim, e ainda não deu as caras por aqui. Me machucar? Por quê? Acho que não. Fui tomada de uma segurança que foi crescendo, devagar. Aí eu disse, e disse porque sabia o que estava dizendo.

E sabe o porquê? Porque eu entendi...
Te amava não com a fúria dos trovões, ou a violência das tempestades; te amava suave, como a brisa. Te amava não com a efemeridade das paixões, mas com a calma resignada das certezas.


~ ~

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Kassow

e, antes que eu te perca de vista
passo com passaporte, viagem
transporte? O meu é pura sorte.

eu vou pegar um trem, pra Tecnicolor, pro infinito, não interessa.
E o sol vai entrar pelas frestas da janela
E, em nossas memórias, a luz há de nos carbonizar o peito
pra lembrarmos que ainda estamos vivos.

sábado, 5 de setembro de 2009

Vai

Quer ir? Vai. Uma coisa que não dá certo é segurar uma pessoa contra a vontade, apelar pro lado emocional. De um jeito ou de outro isso vira contra a gente mais tarde: não fui porque você não deixou, ou: não fui porque você chorou. Sabe, tem umas harmonias em que é bom a gente não mexer. Estraga a música. Tem a hora dos violinos e tem a hora dos tambores.
Eu compreendo, compreendo perfeitamente. Olha, e até admiro: você muda para melhor. Fora de brincadeira, acho mesmo. Eu sei das minhas limitações, pensei muito nisso quando tava tentando te entender. É um defeito meu, considerar as pessoas em primeiro lugar. Concordo. Mas não tem jeito, eu sou assim. Paciência.
Sabe por que eu digo que você muda para melhor? Ele faz tanta coisa melhor do que eu! Tanta coisa que eu não aprendi por falta de tempo, de oportunidade – ora para que ficar me justificando? Não aprendi por falta de jeito, de talento, essa é que é a verdade. Eu sei ver as qualidades de uma pessoa, mesmo quando é um homem que vai roubar minha namorada. Roubar não: ganhar.
Compara. Ele dança muito bem, até chama a atenção. Campeão de natação, anda de bicicleta como um acrobata de circo, é bom de moto, sabe atirar, é fera no volante, caça e acha, monta a cavalo, mete o braço, pesca, veleja, mergulha... Não tem companhia melhor.
Eu danço mal, você sabe. Não consegui ultrapassar aquela fronteira larga entre a timidez e a ousadia, entre a discrição e o exibicionismo, que separa o mau e o bom bailarinos. Nunca fui muito além daquela fase em que uma amiga compadecida precisava sussurrar no meu ouvido: dois pra lá, dois pra cá.
Atravessar uma piscina eu atravesso, uma vez, duas talvez, mas três? Menino de cidade, e modesto, não tive córrego nem piscina. É com olhos invejosos que eu o vejo na água, afiado como se tivesse escamas.
Moto? Meu Deus, quem sou eu. Pra ser bom nisso é preciso ter aquele ar de quem vai passar roncando na frente ou por cima de todo mundo – e esse ar ele tem.
Montar? É preciso ter essa certeza, que ele tem, de que cavalo foi feito pra ser domado, arreado, freado, ferrado e montado. Eu não tenho. Não tá em mim. Eu ia montar como se pedisse desculpas ao cavalo pelo incômodo, e isso não dá, não pode dar um bom cavaleiro.
O jeito como ele dirige um carro é humilhante. Já viajei com ele, encolhido e maravilhado. Você conhece o jeitão, essa coisa de velocidade. Não vou ter nunca aquela noção de tempo, a decisão, o domínio que ele tem. Cada um na sua. Eu troquei a volúpia de chegar rapidinho pelo prazer de estar a caminho. No amor também.
Caçar... Dar um tiro num bicho... Ele tem isso, a certeza de que o homem é o senhor do universo, tá tudo aí pra ele. Quem me dera. Quando penso naquela pelota quente de aço entrando no bicho, rasgando carne, quebrando ossos... Não, não tenho coragem.
Aí é que tou perdido mesmo, no capítulo da coragem. Ele faz e acontece, já vi. Mas eu? Quantas vezes já levei desaforo pra casa. Levei e levo. Se um cachorro late pra mim na rua, vou lá e mordo ele? Eu não. Mudo de calçada.
Outra coisa: ele é mais engraçado do que eu. Fala mais alto, ri mais à vontade, às vezes chama até um pouco a atenção, mas... é da idade. Lembra daquela vez que ele levou um urubu e soltou na igreja no casamento do Carlinhos? E aquela vez que ele sujou de cocô de cachorro as maçanetas dos carros estacionados na porta da boate? Lembra que sucesso? Os jornais falaram por dias naquilo. Não consigo ser engraçado assim. Não tá em mim. Por isso que eu não tenho mágoa. Ele é muito mais divertido. E mais bonito também.
Vai.
Olha, não quero dizer que o que vou falar agora tenha importância pra você, que possa ter influído na sua decisão, mas ele tem mais dinheiro também, você sabe. Ele tem até, sabe?, aquele ar corajoso dos ricos, aquela confiança de entrar nos lugares. Eu não. Muito cristal me intimida. Os meus lugares são uns escondidos onde o garçom é amigo, o dono me confessa segredos, o cozinheiro acena lá do quadradinho e me reserva o melhor naco. É mais caloroso, mas não compensa o brilho, de jeito nenhum.
Ele é moderno, decidido. Num restaurante não te oferece primeiro a cadeira, não observa se você tá servida, não oferece mais vinho. Combina, não é?, com um tipo de feminismo. A mulher que se sente, peça o que quiser, sirva-se, chame o garçom quando precisar. Também não procura saber se você tá satisfeita. Eu sei que é assim que se usa agora. Até no amor. Já eu sou meio antigo, ultrapassado, gosto de umas cortesias.
Também não vou dizer que ele é melhor do que eu em tudo. Isso não. Eu sei, por exemplo, uns poemas de cor. Li alguns livros, sei fazer papagaio de papel, posso cozinhar uns dois ou três pratos com categoria, tenho certa paciência pra ouvir, sei uma ótima massagem pra dor nas costas, mastigo de boca fechada, levo jeito com crianças, conheço umas orquídeas, tenho facilidade pra descobrir onde colocar umas carícias, minha camisas são lindas, sei umas coisas de cinema, não bato em mulher.
E não sou rancoroso. Leva a chave para o caso de querer voltar.

O Ladrão de Sonhos e outras histórias - Ivan Ângelo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Protesto noturno

eu não me contento
com tão pouco tempo
queria-te aqui
neste exato momento