sábado, 24 de outubro de 2009

No surprises

Foi um poeta marginal que me disse
que somos todos muito apaixonados
quando temos dezesseis anos

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Contraditório

Pro menino que vende guarda-chuvas
desejo um sorriso-pra-sempre no rosto
e um brilhante dia de sol

domingo, 11 de outubro de 2009

Intercourse

As we made love, our scars met,
grazing long enough for mine to say
“He tries to hide me,”
and for yours to reply
“I know I embarrass her.”

“He never learned how to swim,” whispered my scar.
“She got picked last in gym class,
then cried into her pillow,” replied yours.

Just then, a huge wound opened in me.
You touched it. It closed.
I was filled, fully healed, and I knew
I would never be able not to love you.

Tom C. Hunley

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Expresso noturno

É que essa noite, só essa noite
resolvi acreditar
É que existia um motivo:
Peguei-o, levei ao sol.

O sol, este pouco cerimonioso, acabou fazendo nenhum alarde de sua descoberta, até que a fitou, curioso, com ar de desconfiança e indolência.
-E este aqui, o que é?- perguntou, modorrento e indiscreto.
Fiz-lhe gesto grosseiro de silêncio, o que o ofendeu muitíssimo; fez, todavia, o favor de amorenar os cacos de esperança que jaziam sobre o chão. Pedi-lhe perdão, que este aceitou de muito bom grado. Abriu os olhos: a sinfonia sufocante então recomeçou.

Fez-me pilhérias ao descobrir, por acaso, o motivo de minha subserviência. O calor estava, a esta hora, a nos matar. Ora, ignorei-o; o que entenderia um astro ignorante das coisas deste mundo?

-Decerto pouco - assenti ao imenso sopro de chuva que passou deslizando por entre as nuvens.
Parei um instante para observá-lo levar frescor a umas securas locais. Logo estaria de volta, interessado na história de minhas arestas com o sol. Desconversei, não queria maledicências no meio celeste. Talvez contasse à rocha perto do rio, confidente irredutível.

Talvez conte, mas somente se for amanhã. A noite caiu há pouco e já havia necessidade de buscar abrigo. Estava com pressa ao entrar. Entretanto, levei comigo os ditos cacos: continuava acreditando.

E acho que 'inda hoje ainda me pego a acreditar.

Segredo

Sem que ninguém pudesse perceber
Hesitei antes que fosse tarde
Me recompus sem alarde
Havia de tentar esconder

e já passou.

Torre

Temia
e gritava, sussurrava, cantava, ninava, dormia, suava, sorria

Tremia
porque gritava, sussurrava, cantava, ninava, dormia, suava, sorria, desesperava:

em
silêncio

Azul-espaço

Que vestes, João?,
se ainda esta noite te vi no chão
coberto de estrelas

Antes do antes

Amara um dia
Acabou ato e feito
Pretérito mais que perfeito
É nisso que ela queria acreditar

domingo, 27 de setembro de 2009

Olha só!

Quem foi que disse que Bukowski não prestava? Talvez ele só fosse um pouco incompreendido. Esperando pela edição dos auto-biográficos. Pode ser um sacrilégio particular, mas eu acho que tudo fica mais bonito em português. Enquanto isso, um gole:



Confession

waiting for death
like a cat
that will jump on the
bed

I am so very sorry for
my wife

she will see this
stiff
white
body

shake it once, then
maybe
again:

“Hank!”

Hank won’t
answer.

it’s not my death that
worries me, it’s my wife
left with this
pile of
nothing.

I want to
let her know
though
that all the nights
sleeping
beside her

even the useless
arguments
were things
ever splendid

and the hard
words
I ever feared to
say
can now be
said:

I love
you.



Charles Bukowski

domingo, 20 de setembro de 2009

Foi assim:

As palavras saíram, puf. Eu não pensei, premeditei ou impedi: elas saíram sem qualquer tipo de filtro de razão, ou de qualquer outra coisa. Não sei se foi o "The Wall", se foi a noite que tava bonita, se foi você que estava bonito, se foi por causa disso tudo. Mas eu tava feliz, feliz como há muito tempo eu não ficava. De uma felicidade fininha, leve, contínua. E eu achei que você devia saber disso.

Foi rápido, indolor, impulsivo, incontrolável. Acho que talvez eu devesse ser mais assim: dizer só por dizer; fazer mais minhas vontades sem pensar muito no depois. Saiu leve, assim, num segundo: puf. Até me assustei, mas deixei. Deixei, mas não porque talvez devesse, ou porque seria melhor assim; deixei porque quis. Tem horas que as coisas devem ser ditas, não por obrigação, mas porque vem de dentro. E acho que aquela era uma dessas horas.

E por um estranho motivo, dessa vez eu não me arrependi. Não mesmo.
O medo de me machucar nem passou pela minha cabeça ali. Passou em várias outras oportunidades, isso eu não nego. Mas ali, naquela hora, era só uma sombra que tinha ficado pra trás. Talvez eu devesse impedir ou parar isso. Sim, talvez devesse. Mas não o fiz. Não o fiz, e duvido muito que consiga ou possa fazer agora.

Medo, medo, eu ainda tenho sabe? Mas não sei muito bem, foi me dando uma coragem, uma coragem imensa, do tamanho do mundo. Uma coragem capaz de arriscar se machucar - quantas vezes fosse preciso. Aí o medo ficou escondido, em algum canto aqui de mim, e ainda não deu as caras por aqui. Me machucar? Por quê? Acho que não. Fui tomada de uma segurança que foi crescendo, devagar. Aí eu disse, e disse porque sabia o que estava dizendo.

E sabe o porquê? Porque eu entendi...
Te amava não com a fúria dos trovões, ou a violência das tempestades; te amava suave, como a brisa. Te amava não com a efemeridade das paixões, mas com a calma resignada das certezas.


~ ~

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Kassow

e, antes que eu te perca de vista
passo com passaporte, viagem
transporte? O meu é pura sorte.

eu vou pegar um trem, pra Tecnicolor, pro infinito, não interessa.
E o sol vai entrar pelas frestas da janela
E, em nossas memórias, a luz há de nos carbonizar o peito
pra lembrarmos que ainda estamos vivos.

sábado, 5 de setembro de 2009

Vai

Quer ir? Vai. Uma coisa que não dá certo é segurar uma pessoa contra a vontade, apelar pro lado emocional. De um jeito ou de outro isso vira contra a gente mais tarde: não fui porque você não deixou, ou: não fui porque você chorou. Sabe, tem umas harmonias em que é bom a gente não mexer. Estraga a música. Tem a hora dos violinos e tem a hora dos tambores.
Eu compreendo, compreendo perfeitamente. Olha, e até admiro: você muda para melhor. Fora de brincadeira, acho mesmo. Eu sei das minhas limitações, pensei muito nisso quando tava tentando te entender. É um defeito meu, considerar as pessoas em primeiro lugar. Concordo. Mas não tem jeito, eu sou assim. Paciência.
Sabe por que eu digo que você muda para melhor? Ele faz tanta coisa melhor do que eu! Tanta coisa que eu não aprendi por falta de tempo, de oportunidade – ora para que ficar me justificando? Não aprendi por falta de jeito, de talento, essa é que é a verdade. Eu sei ver as qualidades de uma pessoa, mesmo quando é um homem que vai roubar minha namorada. Roubar não: ganhar.
Compara. Ele dança muito bem, até chama a atenção. Campeão de natação, anda de bicicleta como um acrobata de circo, é bom de moto, sabe atirar, é fera no volante, caça e acha, monta a cavalo, mete o braço, pesca, veleja, mergulha... Não tem companhia melhor.
Eu danço mal, você sabe. Não consegui ultrapassar aquela fronteira larga entre a timidez e a ousadia, entre a discrição e o exibicionismo, que separa o mau e o bom bailarinos. Nunca fui muito além daquela fase em que uma amiga compadecida precisava sussurrar no meu ouvido: dois pra lá, dois pra cá.
Atravessar uma piscina eu atravesso, uma vez, duas talvez, mas três? Menino de cidade, e modesto, não tive córrego nem piscina. É com olhos invejosos que eu o vejo na água, afiado como se tivesse escamas.
Moto? Meu Deus, quem sou eu. Pra ser bom nisso é preciso ter aquele ar de quem vai passar roncando na frente ou por cima de todo mundo – e esse ar ele tem.
Montar? É preciso ter essa certeza, que ele tem, de que cavalo foi feito pra ser domado, arreado, freado, ferrado e montado. Eu não tenho. Não tá em mim. Eu ia montar como se pedisse desculpas ao cavalo pelo incômodo, e isso não dá, não pode dar um bom cavaleiro.
O jeito como ele dirige um carro é humilhante. Já viajei com ele, encolhido e maravilhado. Você conhece o jeitão, essa coisa de velocidade. Não vou ter nunca aquela noção de tempo, a decisão, o domínio que ele tem. Cada um na sua. Eu troquei a volúpia de chegar rapidinho pelo prazer de estar a caminho. No amor também.
Caçar... Dar um tiro num bicho... Ele tem isso, a certeza de que o homem é o senhor do universo, tá tudo aí pra ele. Quem me dera. Quando penso naquela pelota quente de aço entrando no bicho, rasgando carne, quebrando ossos... Não, não tenho coragem.
Aí é que tou perdido mesmo, no capítulo da coragem. Ele faz e acontece, já vi. Mas eu? Quantas vezes já levei desaforo pra casa. Levei e levo. Se um cachorro late pra mim na rua, vou lá e mordo ele? Eu não. Mudo de calçada.
Outra coisa: ele é mais engraçado do que eu. Fala mais alto, ri mais à vontade, às vezes chama até um pouco a atenção, mas... é da idade. Lembra daquela vez que ele levou um urubu e soltou na igreja no casamento do Carlinhos? E aquela vez que ele sujou de cocô de cachorro as maçanetas dos carros estacionados na porta da boate? Lembra que sucesso? Os jornais falaram por dias naquilo. Não consigo ser engraçado assim. Não tá em mim. Por isso que eu não tenho mágoa. Ele é muito mais divertido. E mais bonito também.
Vai.
Olha, não quero dizer que o que vou falar agora tenha importância pra você, que possa ter influído na sua decisão, mas ele tem mais dinheiro também, você sabe. Ele tem até, sabe?, aquele ar corajoso dos ricos, aquela confiança de entrar nos lugares. Eu não. Muito cristal me intimida. Os meus lugares são uns escondidos onde o garçom é amigo, o dono me confessa segredos, o cozinheiro acena lá do quadradinho e me reserva o melhor naco. É mais caloroso, mas não compensa o brilho, de jeito nenhum.
Ele é moderno, decidido. Num restaurante não te oferece primeiro a cadeira, não observa se você tá servida, não oferece mais vinho. Combina, não é?, com um tipo de feminismo. A mulher que se sente, peça o que quiser, sirva-se, chame o garçom quando precisar. Também não procura saber se você tá satisfeita. Eu sei que é assim que se usa agora. Até no amor. Já eu sou meio antigo, ultrapassado, gosto de umas cortesias.
Também não vou dizer que ele é melhor do que eu em tudo. Isso não. Eu sei, por exemplo, uns poemas de cor. Li alguns livros, sei fazer papagaio de papel, posso cozinhar uns dois ou três pratos com categoria, tenho certa paciência pra ouvir, sei uma ótima massagem pra dor nas costas, mastigo de boca fechada, levo jeito com crianças, conheço umas orquídeas, tenho facilidade pra descobrir onde colocar umas carícias, minha camisas são lindas, sei umas coisas de cinema, não bato em mulher.
E não sou rancoroso. Leva a chave para o caso de querer voltar.

O Ladrão de Sonhos e outras histórias - Ivan Ângelo.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Protesto noturno

eu não me contento
com tão pouco tempo
queria-te aqui
neste exato momento

domingo, 30 de agosto de 2009

Ei você,

você mesmo! O de chapéu,
obrigada por ter me escolhido
tá uma noite tão linda

quer ficar comigo?


quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Tarde fria

Céu cinza
cinzeiro em brasa

domingo, 23 de agosto de 2009

O amor

eu não o grito mais;
sussurro ao interessado,
abraço apertado
dou um beijo impensado.

E isso me basta.

Vidas Secas

a fotografia é estática,
o passado é aquipélago
a dor é lívida
a lembrança é ilha

o passo é lépido
o velho é tísico
o olhar é límpido
o desfecho é trágico

a face é lágrima
a palavra é ríspida
o peito ainda é cálido
E o amor já se foi.

Procissão

Eu prefiro que sejas, enfim
lembrança imaculada,
realidade transposta,
verdade projetada:
totalmente oposta;

E te entrego o meu anseio
Bruto, insensato
Ensaio enleio
Te escrevo:
-quando?
Mês que vem.

Conto os dias
Conto as histórias da minha vida
Da onde?, de quem?,
Se insiste, eu digo
senão, não.

mas olha, amigo
vou te dizer o que penso:
não vejo pecado assim tão grande
em viver na imensidão

Felicidade

Tem vários tons
agudos e graves
Mas acho, acima de tudo
que tem todos os tons de azul

Andantino

O céu pausado em cinza
A chuva cai semínima
Faço prece, solto um sustenido
Já vem chegando clave de sol.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Eu disse que levava

mas não disse o quê;
levei horas e horas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

É como diria o Magno,

"...vida torta, a minha.
Mas eu gosto dela."

sábado, 8 de agosto de 2009

Fast Poetry

Grave, grave os teus graves
que mais grave é o meu anseio
de ouvir-te sob a letra do poeminha

O trocadilho, eu bem credito
e a letra - brande Cássio:
"Pô, é minha!"

sexta-feira, 31 de julho de 2009

A moça

que passou na rua, me disse bom dia
estava tão, mas tão feliz
desejo que o seu dia
seja alegre como aquele sorriso.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Vem de dentro

Sinto tua falta. Não de forma casual, não simplesmente: sinto-a martelar forte em mim, como uma porção de ausências misturadas. Sinto a falta de te dizer, sinto a falta de te ouvir.

Sinto tua falta, não só nos dias em que pensei em te contar milhões de coisas; e, se não contei, foi porque não me pareceu propício, contável. Havia o abismo, é fato. Havia, e ainda há; o abismo se conta em olhares pro lado e lacunas nas conversas. O abismo acontece quando menos esperamos; quando o cotidiano some da fala e dá lugar a sucintos e grandes acontecimentos.

Sinto tua falta, não somente pelo que ela me faz, mas também pelo que ela me fez. Penso nos dias que estive distante, tão tão distante. Talvez tenha sido nesses dias que eu me perdi; perdi de mim. Foi quando o abismo começou, sim. E penso no quanto perdi de ti. Eu queria ter estado lá, às vezes. Mas não estava, e tampouco você esteve aqui. Queria ter visto, ouvido, sentido, rido, pensado. Queria mais de uma fotografia no mural; queria milhões delas, em preto-e-branco, colorido ou sépia, ou o que mais imaginação quisesse e mandasse.

Sinto tua falta, e me sinto ainda pior porque acho que fui eu quem deixou as coisas meio assim. Não sei se era confortável, ou desconfortável, ou os dois; mas deixei as coisas como estavam, me calei, não chamei e não vi. Não sei se você precisou de mim alguma vez, nesse tempo todo. Também não sei ao certo se precisei ou me reconfortei em ti. Essas coisas, veja bem, são meio parecidas assim mesmo. Porque, afinal, o precisar sempre trouxera o conforto consigo.

Sinto tua falta, e me sinto responsável por ter te perdido de vista. Foi sumindo aos poquinhos, de forma gentil e suave, até desaparecer quase por completo; mas restou-me um belo, muito belo retrato: o contorno, de leve, em lápis, escrito suave num grande papel.

Mas olha, não faz mal: eu tenho ali uma caixa de lápis-de-cor novinha, e acho que ainda dá tempo! Corramos, corramos contra o tempo: acho que ainda dá pra colorir tudo de novo.


sábado, 11 de julho de 2009

And I really don't know...

what the hell I am feeling.




















But's way too good for me to stop it ♥

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Flagrante

Fui pego te olhando
numa manhã de chuva
Ao invés de preso, condecorado:
permanente dono dos olhares teus.

Liberdade condicional, todavia
o decoro a minha cela vigia;
Obstinado, me prende em silêncio:
sonho em tocá-la todos os dias.

The Last Kiss

Foi assim: estava jogada na cama do meu quarto, fazendo uns exercícios de química. A dor de cabeça me fazia ver o mundo pulsando, os elementos andavam e desandavam pelas colunas da folha. Eram umas nove da noite e eu já estava cansada.

Aí você chegou, sorrindo como sempre. Não que isso me surpreenda, ou que seja novidade, mas eu achei aquele perfume inebriante, mesmo no final do dia, cansado e suado, depois do trabalho. E como mudara o jeito de se vestir! Os jeans ficaram jogados no fundo do armário, junto com as toneladas de camisetas pretas. Aconteceu da noite para o dia: elas foram sorrateiramente substituídas por sapatos e camisas de botão. O cabelo desgrenhado, sempre tampado por um boné, também desaparecera. O cordão de bolinhas que eu dera já estava feio e enferrujado, porém, jamais saíra do pescoço; e, no fundo, aquilo me aliviava um pouco. O jeito também continuava o mesmo: nunca conheci ninguém com uma gargalhada tão escandalosa. O menino estava escondido no fundo do bolso da camisa, do lado do peito.

Enfiou-se pela porta adentro pra conversar com a minha mãe; você não sabe o quanto ela gosta de você; ou melhor, sabe sim. Gostava quando vocês ficavam sentados, conversando baixo (geralmente sobre mim). Sentia uma paz sem tamanho.

Foi pra cozinha tomar café; segui com uma formalidade que se tem com as visitas; mas de visita você não tinha coisa alguma. Batera na porta pra entrar apenas por um motivo: na última briga, jogou a chave de casa fora, de raiva. Uma bobagem, uma grande bobagem. Mas tudo bem; não havia de ser um problema abrir a porta pra você. Abandonei a mesa e recomecei o dever de casa, distraída.

Entrou no meu quarto, falou de uma bobagenzinha aqui, me mostrou um vídeo ali. Peço desculpas por não ter dado muita atenção, mas os exercícios de química não estavam nem na metade, e eu realmente precisava terminá-los antes que minha cabeça explodisse ou despencasse do pescoço. Afagou os meus cabelos e disse que iria dormir. Sumiu no corredor escuro.

Eu sabia que você não estava ali, de todo, pra uma visita; do jeito que te conheço (e bem, e como conheço), eu já sabia do seu objetivo. Quando você ronda, desconversa, inventa, ri, e dá voltas e dá mais voltas, é porque quer dizer alguma coisa. Mas não sabe como, ou por onde começar. Eu sabia disso, mas permaneci em silêncio com o meu paracetamol rolando pela garganta. Vendo que aquilo não daria em nada, segui pro seu quarto, tentando não fazer barulho. A televisão estava ligada baixinho, pra não acordar meu tio. Você me disse boa noite, depois seguiu sem rodeios:

-Ei, do que é que você tava falando ontem, hein? – perguntou.

Touché. Entregou o ouro fácil dessa vez. Enrolei o máximo que pude: falei da escola, da minha mãe, das vontades, do estágio. Por fim, após um olhar de repreensão, abaixei a cabeça, meio sem jeito.

-Acho melhor a gente parar de se ver... – respondi.

-Pára de besteira...

-Não é besteira, é sério. Nunca falei tão sério – e era verdade.

Eu, naquela hora, não sabia e não conseguia explicar, pelos mais diversos fatores que não vem ao caso aqui. Nos últimos tempos, a sua falta passava a ser tolerante pra mim. Depois, passava a ser conveniente; por fim, passara a estar implícita. Sentia uma vergonha sem tamanho de lhe pedir qualquer tipo de ajuda, o que tornava qualquer problema meu um segredo. Lembrei-me mais tarde do dia que você me ligou, disfarçando um pouco de desespero, como quem quer ouvir uma palavra de conforto. Mas na hora, naquela hora, não me recordei da ação que a sua ação podia ser recíproca; naquela hora me pareceram ridículas todas as minhas ligações, todos os emails, todos os chamados e convocações: “Socorro, me ajude pelo amor de Deus, que eu preciso de você!” Eu me sentia patética e incapaz, como uma dependente que não consegue retomar as rédeas de si mesma.

Você era a minha droga, e aquela era minha crise de abstinência; eu precisava me lembrar que você não estaria o tempo todo à disposição dos meus caprichos e vontades de novo... E nunca deveria ter estado. Mantive-me firme na decisão.

-Talvez você não entenda, mas me deixa explicar...

-Explicar o quê? Olha, eu não estou entendendo nada, o que é que te deu...

Dessa vez, não era nada. Não era influência de ninguém, não era conversa, filme, livro, estapafúrdio. Como eu sou influenciável! Parei por um milésimo de segundo pra meditar sobre isso, depois voltei:

-Dessa vez, é comigo mesma.

-Você só está confusa. Eu te conheço...

A esse ponto, nossas mãos já estavam juntas, presas numa espécie de jogo contínuo de dedos. Assustada, soltei. Aquilo fora força do hábito. Um hábito que havia de ser apagado. Mas meus pés ainda estavam encostados nos seus.

-Eu sou substituível, você vai ver. É que você vai encontrar alguém e essa necessidade de se afastar vai acabar sumindo... – ele deduziu.

Pensei nela, na garota. E não a invejei por nenhum segundo; nossa cumplicidade me pareceu quase traidora e quase errada. Ela nem sonha que isso estava acontecendo, nem jamais vai pensar. E é melhor assim. Bem melhor... Calei e ele prosseguiu como se o silêncio fosse um atestado:

-Tudo bem, se é o que você quer. Eu respeito sua decisão. Mas, vai ser estranho. Constrangedor, sabe? Você vai ser uma daquelas pessoas que a gente encontra na rua, dá um sorriso sem graça – encenou –e vai embora.

- Talvez seja melhor assim. Pelo menos por agora.

-Eu me preocupo com você. Você sabe o quanto é especial pra mim...

Ele me olhou no fundo dos olhos, coberto de verdade. Engoli em seco: essa frase passou raspando pelos meus ouvidos e ecoou por milhões de vezes na minha cabeça, o jogo de mãos foi retomado e eu demonstrei reciprocidade com um grunhido quase ininteligível. Ele retomou:

-Tudo bem. Agora, vai dormir. Você tem que acordar cedo. Você sabe que...

-... Talvez seja a última vez que a gente se vê?-assenti.

A essa altura, eu não segurava nem disfarçava lágrima nenhuma; se aquilo era ou não o certo, eu ainda não descobri. Doeu um pouco o peito de ver como ele havia mudado, doeu sim. A luz do vizinho entrava pelas frestas da janela, desenhando no cobertor sobre os nossos pés. Ele sorriu e exclamou:

-Sua casa é tão simpática, eu nunca havia reparado algumas coisas nela. É que às vezes era tão difícil estar aqui...

Não pude conter um sorriso. Eu sabia que era difícil. Mas, veja bem, não era difícil só pra você. É que éramos (e ainda somos) tão, tão novos, que não entendemos tantas coisas! Cada dor, cada palavra parecia uma marca feita a ferro, que não iria se apagar nunca, e parecia a última... E de repente, já maltratados pelas verdades que jogávamos um na cara do outro, já estávamos serenos, uma forma mórbida de paz. Ao mesmo tempo, eu encontrava seus olhos cansados das horas que não paravam de passar, cobertos de uma doçura que eu não sabia entender nem explicar. Eu me indignava, e ainda me indigno sempre! Como é que você é sempre tão seguro de si? Como é que você apaga os seus rancores? Como é que você não sente dor? Lembrei-me que você sempre soube disfarçar melhor do que eu. Sempre soube... E eu não. Não, eu não queria que aquilo acabasse. E jamais conseguiria fingir e me submeter à sua vontade; naquele momento eu só queria um pouco de paz comigo mesma.

-Talvez eu esteja um pouco confusa, sim. Mas minha decisão é essa – sentenciei.

Você concordou, resignado e cheio de respeito.

Mas a confusão não ia ajudar; o cordão umbilical jazia, finalmente, rompido. E mesmo assim, só de olhar os seus olhos, embora você escondesse um milhão de coisas, eu quase as lia, devagarzinho, como que um filme legendado naquele idioma que só eu entendia, mas que não ouvia nunca. Desvendei milhões de coisas que eu sabia que jamais ouviria saindo da sua boca. Vi no fundo dos seus olhos a confusão, vi uma pontinha de amargura, vi uma dezena de perdões guardados, assim misturados com resignação muda. Vi uma dor fininha no peito, tão bem escondida e disfarçada, que eu pensaria ser um cisco, um ponto se não fosse... Tudo isso bem guardado, naquela embalagem de homem adulto, forte. E o Oscar vai para...

Não, ele não conseguiu esconder uma coisa. Demos o abraço mais forte do mundo, e quase sem querer, senti o seu coração disparado, batendo tão forte que eu pude sentir, encostada em seu peito. Ri e o delatei:

- Isso você não consegue disfarçar, não mesmo.

Naquele momento, eu me desfiz da maioria das minhas mágoas, dos meus ressentimentos. Naquela hora, nada disso ia me adiantar de nada; todas as brigas e ofensas pareceram desnecessárias e vazias; todos os segredos foram revelados pelos olhares.

E, antes de ir dormir, fotografei com os olhos o seu sorriso: o último beijo foi na testa.

domingo, 28 de junho de 2009

Verdade Absoluta

A gente não se completava:
se anulava.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Eletrônica Analógica

O estômago faz senóides
No peito em altos e baixos
quando por entre fios e cabos
sinto a frequência de teus olhos

quarta-feira, 20 de maio de 2009

de jornal

era crédulo, frívolo
apático, assíduo
morrera num malévolo equívoco

a noite carnívora
devorou rápida
todo e qualquer vestígio

e de forma trágica
foi apagado, lívido,
de forma bárbara

restaram poucos símbolos
de uma vivência pérfida
foram cinco tiros bem próximos

na rua vinte e três.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Cristão em Contrição

De todos os santos velados
De tantos murmúrios sagrados
As mãos, postas, em vão
Almejam tocar o sacro coração

E a culpa velada, de velas
a luz torpe por altas janelas
e o incenso que arde
arde tanto quanto meu peito

e as ceras estáticas
e os olhares satíricos
e as contas do terço
deslizando pelas mãos ocres
a guardar segredos podres

Eu confesso (a mim mesmo) e me calo
De culpa e ardor insano
Sinto que alma se eleva
Mas isso a doutrina me nega

Fecho meus olhos e vejo:
Teus olhos, tua boca, tuas mãos
Essa tríade tão profana
que me faz amá-la sobre todas as coisas.

sábado, 28 de março de 2009

E aí...

E aí que o meu peito doeu mais do que nunca havia doído antes.


O mais estranho, porém, é que dessa vez não rolaram lágrimas. E olha, acho que sobrevivi.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Pequeninim

Começou assim: tímido regato;
quando caí em mim havia se tornado oceano.