quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Expresso noturno

É que essa noite, só essa noite
resolvi acreditar
É que existia um motivo:
Peguei-o, levei ao sol.

O sol, este pouco cerimonioso, acabou fazendo nenhum alarde de sua descoberta, até que a fitou, curioso, com ar de desconfiança e indolência.
-E este aqui, o que é?- perguntou, modorrento e indiscreto.
Fiz-lhe gesto grosseiro de silêncio, o que o ofendeu muitíssimo; fez, todavia, o favor de amorenar os cacos de esperança que jaziam sobre o chão. Pedi-lhe perdão, que este aceitou de muito bom grado. Abriu os olhos: a sinfonia sufocante então recomeçou.

Fez-me pilhérias ao descobrir, por acaso, o motivo de minha subserviência. O calor estava, a esta hora, a nos matar. Ora, ignorei-o; o que entenderia um astro ignorante das coisas deste mundo?

-Decerto pouco - assenti ao imenso sopro de chuva que passou deslizando por entre as nuvens.
Parei um instante para observá-lo levar frescor a umas securas locais. Logo estaria de volta, interessado na história de minhas arestas com o sol. Desconversei, não queria maledicências no meio celeste. Talvez contasse à rocha perto do rio, confidente irredutível.

Talvez conte, mas somente se for amanhã. A noite caiu há pouco e já havia necessidade de buscar abrigo. Estava com pressa ao entrar. Entretanto, levei comigo os ditos cacos: continuava acreditando.

E acho que 'inda hoje ainda me pego a acreditar.

Nenhum comentário: